sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A CRISE IMOBILIÁRIA NORTE-AMERICANA E A ESQUERDA (!???)

O principal fato econômico do ano de 2007 foi o surgimento da crise das hipotecas imobiliárias nos Estados Unidos. Instalou uma crise de crédito pessoal na maior economia do mundo, que funciona a partir do consumo das pessoas e famílias, abalou grandes bancos na Europa, na Ásia e no próprio Estados Unidos e ainda ameaça provocar uma recessão de potencial ainda desconhecido nos Estados Unidos e, com isso, ameaça arrastar consigo para o imponderável todas as demais economias do mundo.

Discutir a crise imobiliária, em si, seus aspectos técnicos e jurídicos, pode ser interesse para alguns mas é relevante para todos já que todos podemos ser afetados por ela mesmo que nunca tenhamos tido um imóvel no Estados Unidos nem tenhamos sequer visto qualquer Letra Hipotecária de lá, mas há um outro aspecto muito importante nesse fato. Um aspecto político: é mais uma prova de que o estado é imprescindível para garantir o funcionamento do capitalismo, como provam a seguidas injeções de bilhões de dólares e euros nos sistemas bancários europeu e norte-americano.

É o exemplo mais recente e eloqüente de que o capitalismo, enquanto sistema, simplesmente não funciona se o Estado não estiver aí para socorrê-lo e conter as conseqüências de seus excessos contra si mesmo e contra a cidadania. Não é a primeira vez que o estado é chamado para socorrer o capitalismo. Sempre que o mercado e o capitalismo foram ameaçados por seus próprios mecanismos de funcionamento o estado foi e é chamado para sustentá-lo. Essa opção nada tem de técnica. É uma opção política mesmo.

É o exemplo mais recente e eloqüente de que o assim chamado ‘mercado livre” só funciona até um certo ponto a partir do qual o estado precisa intervir para regulá-lo e, muitas vezes, para salvá-lo de si mesmo.

É interessante como ainda assim, poucos se apercebam da hipocrisia ou de desonestidade intrínseca do discurso neoliberal que aponta o estado como a fonte de todo o mal e como uma entidade obsoleta que deve ser substituída pelo mercado, esse ser onisciente e sábio que se auto-regula e promove o bem geral, de acordo com a ideologia oficial e o discurso único que domina inclusive setores que um dia se disseram de esquerda.

Coloca também uma série de questões interessantes sobre a capacidade real da chamada sociedade civil de controlar o estado e o mercado.

Perante os bilhões de dólares e euros que têm sido sistematicamente usados por todos os Bancos Centrais do mundo capitalista para salvar o mercado, como fica o discurso da eficiência dos mercados e a da ineficiência intrínseca do estado?

Como fica o discurso das maravilhas da concorrência capitalista e dos seus efeitos profiláticos e promotores da eficiência insuperável do sistema?

A grande imprensa tem cuidadosamente evitado chamar a atenção para o significado e implicações, especialmente as políticas e ideológicas, das maciças intervenções obviamente coordenadas dos estados capitalistas nessa crise para socorrer o mercado e o fazem sem sequer moderar o discurso privatista e anti-estatista que promovem e nem precisam mesmo moderar nada.

A consciência crítica inclusive do que um dia se chamou de esquerda está cooptada ou encurralada. Prefere disfarçar, assoviar, olhar para o outro lado e fingir que não está vendo. Nem diante um fato óbvio desse tamanho e visibilidade ensaia voltar a um discurso crítico ao capitalismo financeiro globalizado.

Prefere continuar calada, passiva e cúmplice. Nem uma palavra.

Nova esquerda? Esquerda moderna? Só ressuscitará se conseguir retomar a tradição de crítica ao capitalismo no seu atual estágio, mas parece que a esquerda contemporânea realmente existente é o que alguns autores diziam do Brasil: um deserto de homens e idéias e, pelo jeito, vai continuar sendo assim por muito tempo. Por isso essa nova oportunidade, ao que parece, vai passar em branco de novo.
Uma pena, ainda que real, mas, ao menos, fica aqui o registro, mesmo que solitário, sobre esse fato.

Homero-DF